DIREITO À INDIGNAÇÃO

A universidade inglesa de Leiscester lançou um inquérito a 2500 jovens, através da internet, sobre as personagens mais admiradas da actualidade.
Sabem quem apareceu no topo da tabela? David Beckam, futebolista e marido da “Spice Girl” Vitória Beckam. E sabem em que posto figurava Jesus Cristo? No lugar cento e vinte e nove. A par, imaginem, de Jorge W. Bush.
Fiquei-me indignado e a pensar nos “valores” que se vendem na televisão, na internet, nos jornais e nas revistas, na publicidade, nas ruas, e, por vezes, nas escolas e, mesmo, nas famílias. Quem semeia superficialidade, hedonismo, violência, culto da imagem, sonhos de sucesso e de dinheiro, carradas e mais carradas de telelixo, poderá recolher uvas maduras em vez de agraços? Admira então que Beckam se torne o modelo de identificação para muitos jovens, o espelho dos seus desejos, o símbolo da modernidade?
Por isso, depois de ler o tal inquérito, senti necessidade de encher os pulmões da alma e fui-me a um convento onde se respira oxigénio puro. Deram entrada ali algumas raparigas para quem Jesus está acima e a anos-luz de distância de todos os heróis e protagonistas do momento. Derramaram em honra dele todo o seu perfume. Gargalhadas límpidas e cantantes como águas puras rebentam no coração destas fãs incondicionais de Jesus Cristo. Nada que se pareça a esses moços e moças que andam por aí frustrados por não poderem ser como os seus ídolos, famosos, ricos, besuntados de silicone e de vernizes.
A Unesco proclamou a “Carta dos direitos da criança no desporto”. “O direito a divertir-se a brincar como criança”; “o direito a ser tratada com dignidade”; e, principalmente, “o direito a não ser um campeão”.
Poderíamos acrescentar – no mundo juvenil – o direito a não se parecer com a “estrela” do cinema, o futebolista do Real Madrid ou do Manchester, o corredor da Fórmula Um; ou o direito a não usar um arganel na língua ou no nariz; e – no planeta dos adultos – o direito a não ter um carro mais espampanante que o do vizinho ou a não ir de férias a um lugar de sonho para atiçar a inveja dos colegas.
Acho que toda a gente precisa de exercer um novo direito: o de ser o que na realidade é, pessoas normais e correntes, satisfeitas e reconciliadas consigo mesmas. O direito de não nos fazerem aspirar a metas que jamais conseguiremos atingir, o direito de vivermos em boa e santa paz.
Estou a fazer o elogio da mediocridade? Nada disso. Talvez o elogio do autêntico heroísmo: que cada um seja o melhor que puder ser, sem disfarces nem roupas emprestadas. Sem ter de alugar um fato de luxo que não corresponde às suas medidas.
Deus pedirá contas dos talentos que concedeu a cada um, e não aos outros. Exige que cada qual renda o que está ao seu alcance; condena o preguiçoso, o inactivo, porque pode fazer mais do que faz, amar mais do que ama, ser mais feliz e tornar os outros mais felizes.
Oportuno e lindo este conselh0o dum sábio chinês:
“Se puderes ser um estrela no céu,
sê uma estrela no céu.
Se não puderes ser uma estrela,
sê uma fogueira no cimo da montanha.
Se não puderes ser uma fogueira,
sê uma candeia que arde e alumia em tua casa”.

Abílio Pina Ribeiro, cmf

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