De vez em quando os meios de comunicação fornecem-nos listas das “profissões mais importantes”, mais cotadas no mercado social; as profissões que o mundo de hoje mais espera e necessita. Uma lista recente colocava no topo da tabela o cirurgião, o advogado, o parlamentar – e, depois, havia de tudo: jornalista, professor, bate-chapas, cozinheiro… Num catálogo das profissões que um jovem pode escolher para singrar na vida, referem-se profissões em todas as letras do alfabeto: A advogado, actor, B biólogo, bailarino, C ceramista, caldeireiro, D dentista… Mas é escusado procurar na letra S a profissão de sacerdote (aparece a de secretário, serralheiro, sociólogo) nem na letra M a profissão de missionário (aparece a de marceneiro ou maquinista). Não passou pela cabeça dos autores que, na alma dum rapaz ou duma rapariga, possa palpitar a estrela da vocação sacerdotal ou religiosa. O mundo, pelos vistos, não espera nem precisa dessas testemunhas do infinito e do eterno.
Pergunto-me a razão desses esquecimentos e por que motivo, nos romances e nos filmes, se fala tanto de padres e de freiras, os primeiros geralmente apresentados como bons copos e bons garfos ou politiqueiros de meia tigela, as segundas como habilíssimas doceiras. Será que a plena dedicação a Deus e ao próximo vale para encher anedotas, mas não para encher uma vida?
Se ao fornecerem-nos listas das profissões com futuro se pensa no rendimento económico, concordo largamente. Já dizia o prior da minha aldeia, lá nas Terras do Demos, que ganharia bastante mais a amolar tesouras ou a compor sombreiros. Se um jovem tem como ideal encher os bolsos e nadar em prazer e glória, fuja pois do seminário ou do convento.
Por isso, fazem-me rir os estratagemas que alguns padres e freiras utilizam para renovar as suas fileiras. A diocese de Detroit, nos Estados Unidos, vendo reduzido o número dos seus padres, promoveu uma vasta campanha vocacional na imprensa, rádio e televisão. Gastou centenas de milhares de dólares a divulgar o mote: “O trabalho é duro, o salário infinito”. Uma Congregação missionária inventou o slogan: “Queres conhecer o mundo e ver países e costumes exóticos? Ingressa em tal Instituto”. A diocese de Des Moines, que tem uma equipa de basquetebol composta só por padres, espalhou o cartaz: “Rapazes interessantes fazem grandes padres”.
Ultimamente, esses benditos americanos voltaram a atacar e de maneira mais sofisticada e agressiva. A diocese de Lausing (Michigan) aproveitou o cartaz publicitário do filme O Gladiador, mas substituiu o actor Russel Crowe pelo jovem padre Joseph Krupp, o qual sugere: “Transforma-te num gladiador espiritual, pensa na possibilidade de enveredar pelo sacerdócio. É uma boa vida”. A arquidiocese de Chicago chegou a difundir , na CNN, anúncios como este: “Sonha com um emprego de colarinho branco. Eleva ao máximo o teu potencial. Reduz ao mínimo o teu guarda-roupa”.
As freiras não ficam atrás em questão de fantasia e criatividade. Também nos Estados Unidos, lançou-se uma campanha, durante quatro meses, subordinada ao mote: “Deus está a tocar-te no ombro?” Resposta: “A vida é curta. A eternidade não”. As Irmãs dominicanas gastaram 200 mil dólares em anúncios na televisão, mensagens por correio e informações na Internet. O grande objectivo era cativar raparigas com idades entre os vinte e os trinta e cinco anos, que quisessem ser freiras.
Enfim, o seminário de São Francisco, na arquidiocese de Milwaukee, criou alguns anúncios bem originais: “Procura-se aprendiz de Carpinteiro”. “Trabalha com o melhor patrão do mundo”.
Nada tenho contra a publicidade a favor do sacerdócio e da vida consagrada. Penso até que se deveria dirigir a palavra de convite com maior entusiasmo e agressividade. Os padres e as freiras sabem que embarcaram numa empresa apaixonaste e os autênticos não a trocariam por qualquer outra. É, pois, natural que eles espalhem o seu ideal aos quatro ventos.
Acho, porém, que não se atraem jovens sérios com rostos televisivos de actores ou actrizes a fazer de padres catitas ou de freirinhas jeitosas. A prová-lo aí está o resultado nulo das alegres americanadas.
Uma campanha publicitária em que o sacerdócio ou a vida religiosa se confundem com um detergente mais ou com um novo disco da Madonna é uma tolice. Apresentar “uma imagem dos jovens padres comparável à dos jovens médicos ou advogados” revela complexo de inferioridade. Apostar na vida religiosa como numa profissão onde se pode obter “profunda satisfação pessoal” equivale a construir com bolinhas de sabão.
Quem abraça esta vocação não fecha um negócio com Deus na mira de receber um “salário infinito”. “Deus paga bem, mas não paga ao sábado” – diz o povo. Até lá, as pessoas dedicadas inteiramente ao serviço divino podem contar apenas com muita trabalheira e poucas gorjetas. Teresa de Ávila chegava a dizer com humor a Deus: “Não me admiro que tenhais tão poucos amigos. Tratai-los tão mal!”
A vocação religiosa ou sacerdotal só se abraça porque Cristo brilha aos olhos de alguém como uma pérola que embeleza a vida ou como um tesouro que a enriquece. Essa fascinação não tem explicação humana; sente-se, arde por dentro, empolga, subjuga.
Garcia Morente, catedrático e filósofo ateu da Espanha, num momento de tédio, em Paris, põe-se a ouvir uma passagem da “Infância de Jesus” de Berlioz e, de repente, como por encanto, fica electrizado. Cai de joelhos, acredita, aceita Jesus Cristo – e, mais tarde, faz-se padre. Encontrou o “tesouro” e, para o adquirir, investiu tudo o que tinha: a carreira, o futuro, o prestígio, o conforto.
Nos meios de comunicação, aparece, de vez em quando, a notícia de negociantes de mãos-rotas que dão milhões por um quadro de Van Gogh ou de Picasso. Por aquilo que se aprecia, em que se acredita, que nos encanta e enleva, não se olha ao preço. Quando se gosta, não importa o que se gasta.
Os que assim topam a Cristo ficam “fora de si”. Chama-os uma voz mais penetrante do que a música de Berlioz ou de Beethoven. Mas só a captam aqueles que estiverem nesse comprimento de onda.
Os seguidores de Cristo não se alistam por mandato – como os soldados. Não se atraem como as crianças – com caramelos. Não combatem como os mercenários – para embolsar dinheiro. Como os apaixonados, querem ser felizes, servindo; querem realizar-se na vida, desvivendo-se.
O número dos que são felizes é infinitamente maior do que se imagina. Não ganham ordenados chorudos. Não os consideram “forças vivas” da sociedade. Mas são habitados por um grande Amor.
Abílio Pina Ribeiro, cmf