A língua que Deus fala

Abraçara recentemente a fé cristã e, como quem descobre uma paisagem sempre nova, fazia perguntas e mais perguntas sobre Deus. Deus era Pai e Mãe para os seus filhos, omnipotente, misericordioso, compreensivo … mas que língua falaria?
Um amigo respondeu-lhe:
– Acho que Deus fala latim.
A resposta não o convenceu, porque em latim Deus não se fazia entender por toda gente.
Um judeu garantiu-lhe que Deus falava certamente hebraico, a língua sagrada por excelência. Os norte-americanos defendiam o inglês, os espanhóis o castelhano… Mas nenhuma destas respostas o satisfazia.
Até que, finalmente, alguém lhe dissipou todas as dúvidas: “Deus não sabe outra língua fora do Amor, porque Deus é Amor, só entende o Amor e só se exprime através do Amor… ”.
E explicou-lhe que, no dia de Pentecostes, em Jerusalém, encontravam-se pessoas dos países mais diferentes e cada uma ouvia os Apóstolos na sua própria língua. A língua materna de toda gente é o Amor, porque fomos criados à imagem e semelhança de Deus. Crianças e adultos, analfabetos e doutores, milionários e mendigos, todos compreendem o Amor. Ainda que falasse todas as línguas da terra – declarava São Paulo – não passaria de bronze que ressoa ou de címbalo que retine, caso desconhecesse a linguagem do Amor. Ninguém o entenderia.
Gostei da encíclica – “Deus é Caridade” – porque Bento XVI lembra duas verdades consoladoras: que Deus nos tem gravados no seu “disco rígido” de amor; e que, se nós vivermos de amor, fazemos entrar a luz de Deus no mundo. A missão da Igreja consiste em levar às costas, através dos tempos e por toda a parte, esta formidável certeza: “Creio em Deus, e Deus é Amor”.
Diz um amigo meu que se o primeiro biberão da vida e a última sopa do caminhada não tiverem dentro uns pedaços de amor, causam indigestão e mal-estar. Quando o amor nos falta, a paz e a alegria fogem nossa vida como gato escaldado; ficamos a espirrar angústia e amargura. Um beijo de amor, pelo contrário, enche-nos a alma de cantigas e de rosas.
Temos de nos perguntar se a nossa vida é útil para alguém ou se não passamos de mais um consumidor de oxigénio neste planeta maltratado que chamamos Terra. Mostrar que Deus não abandona os filhos que criou, antes semeia o seu caminho de carícias e de irmãos, é a nossa vocação mais sublime.
A Igreja nem sempre faz boa figura nos meios de comunicação social, porque nem sempre fala bem a língua do Amor. A imagem de mãe acolhedora não aparece facilmente. Com frequência fica no ar a sensação de que está contra tudo e contra todos. Contra os divorciados e contra os homossexuais. Contra a teologia da libertação e contra a participação mais ampla da mulher. Contra a investigação científica e contra o governo…
Cabe-nos mostrar que a Igreja não está contra a modernidade, mas sim a favor dela. Pretende caminhar com ela sem imposições nem atitudes fechadas e autoritárias que produzem urticária na sociedade. Há fanáticos defensores da pureza da fé, da liturgia, das normas canónicas e que são escandalosos transgressores do amor e do serviço aos demais. Consoante a sabedoria popular, “Obras são amores e não palavras doces”.
Apresentar a imagem evangélica de maneira luminosa e atraente pertence a cada um de nós. Importa dizer palavras de libertação e nunca de violência e de ódio. Construir pátios de relação e de diálogo. Gritar às pessoas que Alguém as ama e que de esse amor nós somos instrumentos.
O mundo de hoje precisa urgentemente de transfusões de esperança e de alegria, feitas por peritos na linguagem do amor.

Abilio Pino Ribeiro, cmf

Start typing and press Enter to search