AS CORDAS DO VIOLINO

Paulo Sarasate era um violinista e compositor espanhol, tão admirado pela perfeição da sua técnica como pela beleza da sua suavidade. Uma ocasião tocou no Teatro Real de Madrid com extraordinário êxito. O público, entusiasmado, não se limitou a aplaudi-lo depois do concerto. Muitas pessoas esperaram-no à saída para o felicitarem.
Estava por ali um mendigo, arranhando também o seu violino. Sarasate pediu-lho e tocou algumas peças que arrancaram novos aplausos entre os circunstantes. A seguir, estendeu e passou entre eles o chapéu, que logo ficou lastrado de notas, depois, entregou-as ao mendigo. Este, porém, chorava silenciosamente e, ao perguntar-lhe o violinista o motivo dessas lágrimas, uma vez que recolhera bastante dinheiro, respondeu: “Estou emocionado, por teres arrancado do meu velho violino umas notas e melodias que ultrapassam todos os meus sonhos”.
Dizem que Sarasate, aos dez anos, era considerado um menino-prodígio. Mas, se um génio é dez por cento de inspiração e noventa por cento de transpiração, penso que todos nós, com talento – pouco ou muito – e com esforço, podemos tirar prodigiosas melodias do nosso violino, por velho e destrambelhado que pareça.
Gregório Marañon gostava de replicar a quem lhe dizia que nascera com a estrelinha da sorte e gozava: “Levanto-me às cinco da manhã para estudar o caso do doente que hei-de ver no hospital – e prestigio-me como médico. Preparo atentamente a aula que vou dar na faculdade – e prestigio-me como professor. Trabalho no livro que a minha editorial aguarda – e fico bem perante os meus leitores… Sorte ou fruto do meu esforço?”.
Muita gente passa a vida com a alma a amolecer em lume brando, em vez de se esforçar cada dia por vencer os seus limites e acender dentro de si um grande amor. Cumpre atentamente as suas obrigações, mas sem chama nem beleza.
Não fomos criados para ficar anões nem para sermos jumentos acorrentados que giram sempre à volta da nora. Fomos criados para a aventura de crescer, de progredir, qual atleta sempre insatisfeito com o seu recorde pessoal.
Deus revelou, um dia, o seu verdadeiro nome: “Chamo-me ‘Não-é-bastante’. Eis o que eu digo a quantos se empenham em amar”.
Nunca se ama o suficiente. O amor não cansa nem se cansa nem descansa. Não é um calmante, mas uma espora. É uma água que quanto mais se bebe mais sede dá.Ém perfume que quanto mais se usa mais se quer.
Para crescer continuamente temos de acolher o dom que existe dentro de cada um de nós e procurar, de maneira apaixonante e corajosa, a desenvolvê-lo e aprofundá-lo. Com alma, com adrenalina e força de vontade.
Fascina-me a história de Kity O’Oneil, uma rapariga norte-americana que fiou surda aos quatro anos por causa do sarampo e da varíola; por cima, ainda apanhou a meningite que parecia condená-la a passar o resto da vida numa cadeira de rodas. Rolados vinte anos, Kitty O’Neil, além de tocar piano, dançar e correr, pilotava carros e motorizadas, saltava o trampolim e… representou os Estados Unidos nas Olimpíadas de Tóquio.
Qual a chave do sucesso? Não queria ouvir lamentações a seu respeito nem pactuava com a mediocridade. No hospital conheceu uma freira católica que a ajudou a erguer a cabeça e a lutar. Tenacidade, fé e alegria – eis o segredo e o lema de Kitty O’Neil .
Um dia um velho mestre foi abordado por um aluno que lhe perguntou: “Procuro dominar o meu feitio, corrigir os meus defeitos, ser exacto e fiel no cumprimento dos deveres. Contudo, não me sinto satisfeito. Que me falta ainda para “explodir”, para dar o salto de qualidade?”
Erguendo as mãos para o alto e separando os dedos, que se tornaram como dez chamas ardentes, o mestre respondeu-lhe: “Se quiseres, podes transformar-te em fogo”.
Kitty O’Neil converteu-se em fogo.
Cada um de nós pode atingir a plenitude, a perfeição da sua humanidade. Mas tem de se converter em fogo. Arrancar do seu violino todos os sons possíveis.

Abilio Pina Ribeiro, cmf

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