TODA A GENTE É LINDA

Certo dia, um grupo de pessoas estava a cortar forte e feio na casaca dos ciganos. Passa Santa Teresa e diz: Por que reparais somente nos defeitos: “Eles fazem isto”, “Eles pilham aquilo”? Já vistes como dançam bem e cantam? Qual de vós sabe dançar e cantar assim?
Esta mania de olhar os outros com lentes deformadas, enxergando apenas o seu lado negativo ou julgando-os a partir de ideias feitas, de clichés, é muito deselegante.
Existe o céu e o inferno, a graça e o pecado, a saúde e a doença, a morte e a vida. Porque havemos de pensar a toda a hora no pecado, no inferno, na doença, na morte? Pelos campos fora rastejam serpentes e voam pássaros, crescem rosas e medram ortigas. Para que havemos de fixar a vista nas ortigas e nos répteis?
Dois artistas cruzaram-se no caminho e um deles disse: ”Viajei por todo o mundo e não encontrei um rosto que valha a pena ser pintado”. O outro replicou imediatamente: “Eu cá nunca saí da minha terra, mas nunca encontrei um rosto que não valha a pena ser pintado. Até as rugas duma velhinha são bonitas como uma paisagem de cortiça e musgo”.
Temos de acreditar que as pessoas mudam e vão limando os seus defeitos e arestas.
Por isso dizia o escritor inglês Bernardo Shaw que o seu melhor amigo era o alfaiate, porque lhe tirava as medidas sempre que ia ter com ele, ao passo que outros o tratavam segundo as “medidas” que lhe haviam tirado há muitos anos antes.
A “ficha” de cada pessoa tem de estar actualizada no “computador” do nosso espírito. É preciso introduzir constantemente novos dados. Se calhar, um fulano conhecido há duas décadas identificamo-lo pelos s defeitos e manias que tinha nessa altura, ou pelas pedradas que então nos atirou.
Importa cultivar a arte de descobrir em cada criatura os seus aspectos lindos, porque não há ninguém que seja só maldade.
Qualquer pessoa tem excelentes qualidades, mas parece que só nos dermos conta no “dia dos louvores”… Sabem qual é esse dia? “Mamã – perguntava uma criança -, é preciso que as pessoas morram para gostarmos delas?… È que eu li no cemitério: “Ao adorado marido… Eterna saudade…”
Para que deixar os elogios para essa altura?
E outra pergunta: Por que não arrancamos de nós a vaidade e a inveja? Dizem que essas “raízes de miséria” são próprias dos actores. “O prazer que um actor sente quando tem um êxito não é nada em comparação do prazer que sente pelo fracasso dum colega”.
Esta declaração mordaz fê-la Jean-Paul Belmodo. Toda a gente se comove perante os sofrimentos dum amigo, mas só um espírito grande e nobre rejubila com os seus triunfos.
Porque será? Por que motivo há-de ser mais fácil misturar as nossas lágrimas dos que os nossos risos? Por que razão muitas pessoas só recebem elogios, quando já não podem escutá-los?
A explicação talvez resida na natureza mesquinha do ressentimento e da inveja. Filha do egoísmo e do orgulho, mãe da má língua e do rancor, a inveja – melhor dizendo, o invejoso – entristece-se com o bem alheio, como se este impedisse a sua afirmação e protagonismo; e alegra-se com o mal dos outros, como se ele desimpedisse ou aplanasse o próprio caminho.
Quem possui um espírito largo e alto não receia que ninguém lhe faça sombra. Se virmos em cada pessoa “alguém que faz parte de nós”, desfrutamos com a sua grandeza e felicidade. Um ser humano que se eleva faz crescer a humanidade inteira. Ficamos todos um pouco maiores.

Abílio Pina Ribeiro, cmf

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