O VERBO “AMAR” NÃO ENVELHECE

“Quero o meu coração grande como o mar, alegre como o sol, puro como as estrelas”. Estas são palavras de Carla Zichetti.

Permitam que lhes fale de ela. Esta menina italiana ficou só no mundo desde muito nova e, por causa de variados males, dependente de outras pessoas. Muitas vezes abrasada em febre, sem poder sair de casa, passava o mais do tempo na cama ou no sofá. Um apartamento com dois quartos, sala, cozinha e varanda, era todo o seu pequeno mundo. Infeliz, complexada, inútil, azeda e amarga, sem nada esperar da vida, esta  nossa Carla?

Qual quê! Feliz, empenhada, cheia de vitalidade, transmitindo e espalhando alegria a rodos. Apesar de muitas desgraças que lhe aconteceram, tem uma linda voz: timbrada, fresca, primaveril.

Vai daí, começou a telefonar aos doentes de Génova, guiada por uma lista que os amigos lhe faziam, para estabelecer com eles uma rede de amizade. Passou depois a escrever cartas, que para isso tem um jeitão, e a gravar cassettes, lendo trechos do Evangelho, mensagens respigadas aqui e além, cartas recebidas e respondidas, música variada e bem escolhida.

Com a ajuda de amigos, estas cassettes são expedidas para um milhar de endereços e difundidas por estações de rádio. Carla também publica opúsculos e alguns deles –  por exemplo, As cartas ditadas pelo coração – espalharam-se como pétalas de esperança pela Itália fora. Acima de tudo, privilegia o contacto pessoal, seja através das missivas e do telefone, seja nalgumas visitas que os amigos lhe organizam para ir falar a diversos sítios  e a numerosas rádios.

Carla Zichetti é o cérebro de uma pequena multinacional de bem-fazer. Sempre acolitada pelos seus numerosos amigos, recolhe  “as migalhas”, como ela diz, as pequenas ofertas que lhe mandam e fá-las chegar a pessoas em dificuldade, obras de caridade e assistência,  missionários de terras de que ninguém se lembra.

Um dia pediram-lhe que rezasse pelo aumento das vocações para o sacerdócio e a vida consagrada. Sabem o que respondeu?

– “Vou rezar, sim senhor, pelos padres e pelas freiras. Antes porém de pedir mais vocações, rezarei para que sejam pessoas apaixonadas de Deus e dos seres humanos. O mundo actual precisa de testemunhas vivas do Evangelho no meio da sociedade. Os padres e as religiosas poucos são, mas se fossem mais santos chegariam bem para as necessidades”.

Há quem pense que os Santos são homens e mulheres de outra galáxia: gigantes que praticam acções e renúncias de fazer chorar as pedras; que sabem e dizem coisas para além do alcance normal; ou então que se afastam da sociedade e vivem no cume duma serra ou no meio do deserto.

Tais figuras não despertam simpatia nem interesse. Lembro-me de uma senhora que levou consigo, para o trabalho, um sobrinhito de três anos. Era uma criança vivaça, loquaz e mexida que nem uma sardanisca, mas permaneceu, durante quase duas horas, muda e queda, como que  paralisada. Só mais tarde revelou o motivo de tão invulgar procedimento: estava cheioa de medo, por causa de duas estátuas de Santos ali arrumadas e que lhe pareciam o papão.

Essas virgens lisas como tábuas, esses varões secos e duros como raízes, chegam, de facto, a assustar-nos. E assim muitas vezes se pintam ou esculpem.

A santidade, porém, não é uma corrida para meia dúzia de galgos. Nem um fardo esmagador, feito de infinitos preceitos morais, que deixa uma pessoa com a língua de fora.

O exemplo de Carla Zichetti diz-nos que a santidade é um projecto de viver autêntico, à maneira de Cristo. Um projecto que nos liberta de nós mesmos e é capaz de pôr em surdina os próprios males. Um projecto que dá sentido e sabor à nossa vida.

Jesus Cristo é a revelação e a prova de como é o nosso Deus. Um Deus humaníssimo. Quem de Ele se aproxima humaniza-se a si próprio e humaniza a vida alheia, especialmente a dos mais desprotegidos.

Carla não vive enroscada nas suas limitações, que muitas e graves são. A fé desperta-lhe energias para ajudar milhares de seres humanos e torna-a feliz, impedindo-a, ao mesmo tempo, de ser feliz sozinha. A ternura que lhe inunda o coração dá-lhe um ar fresco e juvenil, envolvente e contagiante. O verbo “amar” nunca envelhece. Corações  de este formato –  grandes como o mar, alegres como o sol, puros como as estrelas – ainda são aos molhos. Por isso, digo como o outro: “Ainda há esperança!”.

 

Abílio Pina Ribeiro, cmf

(FOTO: Nick Fewings)

 

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