Um escritor italiano desejava que “o pão de Santo António” se tornasse, um dia “pão e rosas de Santo António”. A caridade não há-se ser apenas uma coisa boa, mas também uma coisa linda, alegre, carinhosa. Precisa de vestir traje de festa.
Lembro-me de uma família extremamente pobre, a quem levaram um cabaz de compras indispensáveis, encimado por um ramalhete de rosas brancas. Ainda estou a ver a reacção daquela jovem esposa e mãe, que perguntava, derretida em lágrimas: “As flores são mesmo para mim? Nunca em toda minha vida recebi uma flor”.
Graças a meia dúzia de rosas, a casa e a família pareciam iluminadas. O amor tinha chegado ali, devidamente acompanhado pela fantasia das cores e do perfume. Até o pão ganhava um sabor novo.
Confidenciava uma senhora idosa que, no Lar onde vivia, tudo funcionava com esmero e ordem. Mas “faltava o plus, o mais”. Faltava a cereja no bolo… a gota de surpresa, de magia… o arrepio dos inesperados gestos de ternura.
Em determinadas circunstâncias, a flor na mesa pode ser mais preciosa do que os manjares, o sorriso mais necessário do que a esmola, o perfume mais importante do que o vestido.
Temos de fazer que os pobres nos perdoem o pão que lhes damos – dizia Vicente de Paulo. A entrega do necessário, para que não humilhe quem o recebe, tem de ser acompanhada pelo “desperdício” do supérfluo, pelo perfume da consideração, pelo sinal da ternura e da festa.
Receio que hoje em dia se ofereçam poucas rosas: que não abunde a gratuidade, a pura dádiva, a alegria de amar por amar, sem nada esperar em troca..
Numa repartição do Estado, passou diante dos meus olhos e abeirou-se do balcão um estrangeiro; e logo dois senhores comentaram: “Portugal está mais que cheio de emigrantes. A Igreja até abriu escolas para lhes ensinar a nossa língua. Tudo política, tudo interesse. Maneira de arranjar clientes”.
Não me admiro de a política ser, para muita gente, sinónimo de interesse. Quem acredita que americanos e ingleses se envolveram na guerra do Iraque por causa dos lindos olhos dos iraquianos? “Quando vir um político desinteressado ou um melro branco, mande tocar o sino” – disse-me, em tom de desafio, um advogado amigo.
Também acho natural que se desconfie das empresas, quando nos oferecem alguma coisa de graça. Que terão na manga? Que nos quererão impingir?
Mas daí a concluir que, no mundo de hoje, nada se faz desinteressadamente significa ter perdido a fé na condição humana. Então – e essas revoadas de voluntários que percorrem hospitais e casas de terceira idade, visitando, prestando humildes serviços, desfolhando ternura e alegria? E esses jovens que, durante dois ou três anos, vão exercer a medicina ou leccionar em Moçambique ou na Guiné, só para dar largas ao seu coração? E essas crianças e adultos que trabalham como formiguinhas para o Banco Alimentar e noutras instituições de bem-fazer? Esses milhares de pessoas dedicadas cuidar do próximo de dia e de noite?
São mais do que imaginamos essas abelhas cantadas pelo poeta romano Virgílio: “Fazeis o bem, mas não para vós”. Pessoas que esbanjam o seu tempo, o seu carinho, a sua disponibilidade, os seus talentos, na mais completa dádiva. Homens e mulheres que dão sombra e frutos como as árvores, sem olhar a quem.
Teresa de Calcutá levantava um moribundo da valeta e dispunha-se a tratá-lo com maternal desvelo. “Porque faz isto? – perguntava o homenzinho, com o fio de voz que lhe restava – Não me deve nenhum favor nem lhe poderei retribuir. Por que razão o faz?” – – A resposta não poderia ser mais clara: “Simplesmente, porque o amo”.
Porque canta o pássaro? Porque dão rosas as roseiras e as nascentes água? Simplesmente, porque têm canções, água e rosas para dar…

Abílio Pina Ribeiro, cmf

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