“LEVANTAI-VOS, VAMOS”

(Artigo escrito enquanto São João Paulo II ainda era vivo)

No dia em que fazia 84 anos, João Paulo II publicou um livro de memórias. Esse homem, cada vez mais acabado, preso a uma cadeira de rodas, arranjou um título surpreendente: “Levantai-vos, vamos”.

Não faltam aí salpicos de bom humor. Quando o cardeal Wyszynsky lhe comunicou a nomeação para bispo auxiliar de Cracóvia, o futuro Papa disse-lhe: “Eminência, ainda sou muito novo, só tenho 38 anos”. O Primaz da Polónia replicou“ É uma fraqueza de que se curará depressa”.

“Em Cracóvia – escreve João Paulo II – os arcebispos elegiam-se normalmente entre os aristocratas. Eu sou um “proletário”.

Segundo o P. Adão Boniecki, amigo íntimo do Papa, este não se considera um génio, nem como escritor nem como poeta. Gosta de fazer poesias, mas sorri quando vê o dilúvio de elogios que chovem sobre elas. “Se eu não fosse Papa, nem sequer se dignariam dar-lhes uma vista de olhos”.

Também gostava de ironizar sobre outros escritos, dignos de passar à história, como é o caso das grandes encíclicas e de alguns discursos. “Desde que sou Papa, saem-me muito melhor, porque outros redigem-nos em meu nome”.

Costumava escrever de seu punho e letra, em polaco, algumas passagens que julgava essenciais. A seguir, dava indicações breves em latim para que outros completassem o trabalho.

Agora é este Papa, cada vez mais fraco e limitado, com dificuldade mesmo em articular as palavras, que inventa este título provocante: “Levantai-vos, vamos”. Um desafio e um convite a não nos darmos nunca por vencidos.

E também um estímulo e um apelo a vivermos com alegria e dignidade. Dizem que há três coisas que nos roubam a alegria. Uma é a tristeza. Não me refiro a essa dor causada por um acidente, uma doença, um fracasso, uma injustiça, uma violência, mas à tristeza que se tornou um estado de alma e agora nos tolda continuamente o horizonte, se apodera de sentimentos e ideias, nos paralisa e faz estéreis. “A alegria do coração prolonga a vida – lê-se na Bíblia -; a angústia faz envelhecer antes do tempo. Um coração alegre equivale a deliciosos manjares e tudo o que come lhe faz bom proveito”. Daí a súplica de Paulo Neruda: Tira-me o pão, se quiseres, tira-me o ar, mas não me tires a alegria”.

O segundo ladrão da tristeza é o mau humor que nos faz andar de cenho carregado, agressivos como cães de quinta. Sem umas gotas de bom humor, o fardo da vida pesa toneladas. O bom humor relativiza as coisas, diz-nos que, por mais problemas que nós resolvamos, ainda ficarão muitos mais por resolver…

O medo também nos rouba o gosto de viver. Há crianças que têm medo do escuro. E adultos há que têm medo da claridade, ou seja, do que é novo ou do que supõe aventura e risco. E há muitos outros medos. Medo de doenças. Medo do fracasso. Medo duma catástrofe natural. Medo do terrorismo. Medo duma guerra com energia nuclear. Medo do futuro.

É normal que sintamos medo perante qualquer mal que nos ameaça. Muitas vezes, porém, o medo revela falta de confiança na grandeza e nas capacidades do ser humano. Ou, no caso dos cristãos, falta de confiança em Deus: não acreditam verdadeiramente que é Ele que vai ao leme da história e que o Evangelho conserva toda a sua fragrância.

Só a esta luz se compreende que um homem vergado e encurvado sob o peso da tremenda cruz que lhe caiu sobre os ombros nos últimos anos da sua vida, nos tenha lançado o desafio: “Levantai-vos, vamos!”

Abílio Pina Ribeiro, cmf

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