CRIADOS PARA A FELICIDADE

Filipe Bosmans, fundador duma associação dedicada a pôr mais coração no mundo actual, lançou este pregão: «Homens e mulheres, fostes criados para viver, para sorrir, para cantar, para acender a felicidade no espírito de quem vos rodeia! Criados à imagem de Deus, que é amor! Com mãos para dar, boca para assobiar, dois olhos valiosos como diamantes, braços compridos para abraçar!… Rir é a melhor cosmética para o corpo e o melhor remédio para a alma».
A alegria revela saúde e vontade de viver, pois «sempre a melancolia foi da morte parente», notava Cervantes. Libertando-nos de uma seriedade falsa, relativizando os acontecimentos, reduzindo-os à sua justa dimensão, o bom humor dá-nos oxigénio e energia. Bernardo de Claraval apreciava o humor “por ser mais sério do que a seriedade”.
Os chineses dizem que um sorriso custa menos do que a electricidade e alumia mais.
Contudo, apesar de tantas relalias e conforto, de tantos programas de férias, de tão alto padrão, parece que a felicidade, nos tempos de hoje, anda muito escassa!
A sociedade consumista multiplica prazeres efémeros como borbulhas de champanhe, mas não impede o tédio, o vazio, o desespero.
A alegria verdadeira, incombustível, brota de outra fonte: a boa consciencia, o amor a Deus e ao próximo.
Um bocado de pão, dois dedos de conversa, um disco de Beethoven, a contemplação duma paisagem, podem causar um deleite superior ao que sente um imbecil no seu carrão de gama alta.
Quem não conhece pessoas que vivem com bem pouco, mas sempre alegres como cotovias?!… Parece que têm uma canção própria, um espírito que ressoa como um búzio. Saboreiam as alegrias que Deus lhes oferece: a alegria feiticeira de viver, a alegria do amor santificado, a alegria tranquila do silêncio, a alegria austera do trabalho, a alegria do dever cumprido, o perfume de saber partilhar.
Bem pouco pretendia Tomás Moro e era feliz. “Uma boa digestão e alguma coisa para digerir”. “A saúde do corpo e uns grãos de bom senso para a conservar”. “Alma transbordante e sensibilidade para tudo o que é importante, belo e verdadeiro”. “Não morrer de espanto, se pecar, e tudo ponderar com serenidade”.
Já na Idade Média se dizia: «Quando Adão lavrava e Eva fiava, não havia fidalguias nem tristeza».
Deus é Amor e, por isso, vive com humor. Os sonsos, enfadonhos, somos nós, que sempre imaginamos um Deus barbudo, velho, sério e birrento como Júpiter.
O humor cristão tem o aval clássico: «Deus acima de tudo!” Por mais que ruja a tempestade, sempre Deus nos guarda à sombra das Suas asas. «Papá é que vai ao leme» – dizia o menino que brincava tranquilo enquanto o barco enfrentava o mar encapelado.
Mas por que motivo não evita Deus a guerra, por que nascem meninos com sida?
– Não sei – responde a poetisa Glória Fuertes -. Se eu for ao jardim zoológico e ler um poema ao elefante, ele não me percebe. A Deus, também o não entendo, mas amo-o e sei que Ele não fica atrás».
Que tiradas de humor não aparecem ao longo da Bíblia! Logo no princípio, o homem a dizer que a sua perdição é a mulher e a mulher a desculpar-se com alguma língua de víbora! Depois Sara, velhota e desdentada, a rir atrás da porta quando ouviu dizer que ia ser mãe! E aquela cena de Jesus a escrever no chão enquanto os adversários se esgueiravam, um a um, sorrateiramente e deixavam em paz a mulher? Ou o caso de Zaqueu, alto funcionário das Finanças, empoleirado numa árvore! Ou ainda a festa pelo regresso do filho pródigo: a orquestra celestial a chamar para a dança, e os «beatos» a gritar «abrenúncio, que o céu está perdido!»
Vivemos um cristianismo cinzento, aborrecido. Os leigos deixam o sorriso à porta das igrejas; os padres, à beira do púlpito ou do altar.
É tempo de voltarmos a uma liturgia vibrante e festiva; a uma pregação de bem-aventuranças e não de resignações e lamentelas. Já chega de pôr nos imaculados lábios da Virgem Maria profecias de terror ou de a imaginarmos por aí a chorar em cada esquina.
Deus nos livre de almas enjoadas, encardidas, amarrotadas como guarda-chuva sem varetas! De homens e mulheres da Igreja, complicativos, azedos, emproados – livre-nos também! E não façamos Deus à nossa triste imagem, que Ele detesta-a:

«Estou farto de ser digno. / Estou farto de ser sensato, / Estou farto de ser correcto, / maduro, / sério, / responsável ,/ cumpridor!
Estou farto! / Disse Deus / e calou-se.
E escandalizaram-se todos os homens dignos, / e os sensatos, / e os correctos, / e os maduros, /e os sérios, / e os responsáveis, / e os cumpridores.
E levantaram-se à uma / e disseram todos juntos / em coro: / Que tolice!
E suas dignas mulheres / puseram-se também de pé / e repetiram em uníssono: / Que tolice!
E deu um pulo enorme / Deus. / E disse / Miau! /Miau!/Miau!
E soltou tamanha gargalhada / que se ouviu no cimo dos Himalaias» (Francisco Loidi).

Abílio Pina Ribeiro, cmf

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