BOM GOSTO E BOM SENSO

O meu amigo José Rovira tem olho clínico e a pena bem aparada. Observa coisas que se passam lá em Roma, fixa-as com mestria por escrita e difunde-as pelas ondas da Internet Conta ele que, na Praça de São Pedro faz se todos os anos um Presépio Monumental. Uma gata resolveu instalar-se no Presépio do ano de 2002, e ali deu à luz duas crias. Os três arranjaram sítio entre o boi, o burro e os reis magos. E quando, o frio começou a apertar mais, enroscaram-se no meio da palha do estábulo, no lugar do Menino, que desde o dia 6 de Janeiro estava nos braços da Virgem Maria.
A avaliar pelo tamanho, os gatinhos nasceram lá na Gruta: um sítio seguro, não há dúvida, aquecido pelos faróis que iluminavam a cena, cercado de barreiras e protegido pelos guardas que não deixavam ninguém ultrapassá-las.
A gata, de resto, quase se pode considerar cidadã do Vaticano; de pêlo inteiramente negro e olhos brilhantes, é bem conhecida da polícia que controla a colunata da Praça. Já uma vez tinha dado à luz no meio dos andaimes que por ali havia. Desta vez, porém, encontrou uma “maternidade” e um “jardim de infância” de primeira classe. Um dos filhotes era negro e, de quando em quando acaçapava-se no cofre dos reis magos; o outro, branco e cinzento, preferia a cesta dum pastor. Do seu respectivo poiso, ambos olhavam pacificamente para os turistas e os romeiros do Presépio, enquanto esperavam que a mãe regressasse dos arredores com algum manjar.
As idas e vindas da gata criaram de início um problemazito, porque ela, com o rabo, activava as células foto-eléctricas e fazia disparar o sistema de alarme. Mas não tardou em estabelecer-se amizade e acordo entre os gatos e os polícias, a ponto de estes lhes levarem, dissimuladamente, alguma lata de comida.
Passada a festa da Apresentação e desmontado o Presépio, a família felina seguiu a sorte de tantas famílias pobres: o despejo.
Quem gostou da companhia foi, decerto, o Menino de Belém. A Bíblia Sagrada não chama a Deus “biófilo”, ou seja, amante da vida?
Eu podia contar aqui montes de casos. Paulo VI, que muitos achavam “triste”, mandou levar ao Cardeal Júlio Bevilacqua, seu amigo, um gatinho pacífico, com uma fita ao pescoço, com as cores do Vaticano: banca e amarela. Ao próprio Papa tinham oferecido um cachorrinho. Quando o Papa rezava o Terço, passeando ao longo do terraço, por cima do seu apartamento, ladeado pelos dois secretários, o cão seguia-o sempre e só a ele, colocava as patas sobre as suas pegadas. Depois o cachorrinho cresceu e foi transferido para Castel Gandolfo. Ali, passeava em liberdade no amplo parque. Uma distracção que distendia o Pontífice, nos breves períodos de férias, era contemplar este afeiçoado animal bem como os peixinhos vermelhos do tanque,
Mas é hora de pormos os pontos nos is. Todo o meu respeito e simpatia pelos animais. Até os posso chamar “Irmãos” como São Francisco. Mas que alguns deles sejam mais acarinhados e protegidos do que as pessoas, isso não. Alec Guinness dava este conselho: “Se tiveres de atravessar uma estrada, na Inglaterra, leva um cachorrinho. Nenhum inglês atropelaria um cão”.
Enquanto legiões de homens e mulheres morrem de fome por esse mundo além, gastam-se somas enormes em sofisticados alimentos, clínicas especializadas e hotéis de luxo para animais. Fazem-se esforços enormes para salvar os linces ibéricos e os leões marinhos, mas deixam-se ai abandono crianças e velhos.
Para haver alimentos e cuidados básicos de saúde para todos os habitantes do Planeta, seria preciso investir treze mil milhões de euros. Muito, não é verdade? Menos, porém, do que os dezassete mil milhões de euros que europeus e norte-americanos gastam em gastam em alimentos para cães e gatos.
Abriu recentemente em Nova Iorque uma cafetaria para gatos, o Meow Mix Café. Se já existem restaurantes para cães – justifica o proprietário – porque não arranjar um sítio agradável onde os bichanos e seus donos possam comer e possam brincar? No entanto, dezanove por cento das crianças norte-americanas vivem na miséria.
E há situações ainda mais aberrantes, como a da condessa Carlota Liebenstein, dos Estados Unidos, que deixou a sua fortuna a um cão, para que ele passeie, agira, num BMW conduzido por um mordomo fardado e se regale com salame em vinho do Porto ao pequeno almoço. (Vêm-me à lembrança uns versos cáusticos: “Quem ao seu cão abriga,/ pensando que a mim basta a nua pele,/ dá mais valor a ele do que a mim/ e eu mais valor ao cão do que a ele”) .A partir daqui nunca mais se diga que alguns humanos têm “sorte de cão”…
O bom senso, pelos vistos, não abunda muito. Por que carga de água se não há-de pensar nesses seres vivos com amor, mas sem exagerar? Por que motivo se hão-de fazer campanhas em favor do lobo-marinho e, ao mesmo tempo, o homem ser um lobo para os outros homens? Ou porque haviam os nazis de se derreter perante os filhotes dum pastor-alemão e, logo a seguir, esmagar o crânio dum judeu recém-nascido?
O mesmo exagero se passa em relação às plantas. Que têm de ser defendidas e preservadas, ninguém o põe em dúvida. Mas por que motivo um saudável respeito pela natureza há-de impedir a utilização dos seus recursos para que a pessoa humana viva dignamente?
O meu aplauso para todos esses homens e mulheres que lutam pelos direitos dos animais, das árvores e dos ecossistemas. Mas não tem sentido preservar a natureza em função dela mesma e não do interesse da pessoa humana. Defender o ambiente por si próprio e não por respeito ao bem-estar das gerações presentes e futuras raia a insensatez. A verdadeira ecologia tem os seus limites.
O ser humano em primeiro lugar e acima de todos os outros seres criados. Não é preciso chamar-se São Francisco ou Santo António, nem frequentar a Universidade de Oxford, para entender isso.

Abílio Pina Ribeiro, cmf

Start typing and press Enter to search