AS ABELHAS E OS ZÂNGÃOS

Na história da Igreja dão-se coisas engraçadas e uma delas foi a escolha de Teolepto de Filadélfia (1250-1321) para bispo desta cidade da Ásia Menor, depois de ter vivido casado uns anos e abandonado a jovem esposa para se dedicar à vida solitária. Outra mulher, porém, se cruzou no seu caminho, embora de maneira bem diferente: Irene Eulógia de seu nome, casada aos doze anos com um príncipe, viúva quando só tinha dezasseis e monja para o resto dos seus dias.
A esta Irene Eulógia dava o nosso homem conselhos certos como bússolas. Um dia, por exemplo, mandou-lhe “imitar a prudência das abelhas. Estas, quando vêem zângãos a rondar por perto, fecham-se no cortiço e evitam de este modo a fúria dos seus inimigos. Por zângãos – escrevia o nosso Teoletro – quero dizer o excesso de relações mundanas; foge de elas com o máximo cuidado, permanece na colmeia da tua casa e de ali procura entrar no castelo interior da tua alma, onde reinam o silêncio, a paz e a alegria”.
Hoje em dia, cresceu o rol dos zângãos, o enxame de coisas tolas e inúteis, que nos tornam a alma em pó e cinzas. O lixo que invade certas revistas e jornais, as horas dissipadas diante da televisão ou navegando à toa na internet; este barulho, esta dispersão, esta vacuidade que nos empobrece e diminui – não lembra tudo isso um bando de importunos parasitas que nos roubam o silêncio, o sossego e a harmonia com que se fabrica o mel da alma?
O homem de hoje, definido como “o grande distraído”, bem precisa de imitar “a prudência das abelhas”.
Mas o bom Teolepto de FiLadélfia, mais que às mil e uma distracções com que desperdiçamos tempo e forças, chamava “zângãos” e “assalto de zângãos” a determinadas amizades, levianas e superficiais, ou ao vaguear de cá para lá a dar à língua.
“Há três espécies de amizades vantajosas e três espécies de amizades superficiais – ensinava Confúcio. As amizades com pessoas honestas, sinceras e experientes, são vantajosas. As amizades com os aduladores, os passa-culpas e as “sereias são superficiais”.
Como todas as realidades humanas, a amizade pode ser fonte de virtudes e poço de vícios. A linha de demarcação traçada pelo pensador chinês é clara. De um lado estão os amigos honestos, sinceros, adornados de um “saber de experiência feito”. Do outro, os engraxadores, os mangas largas, e as sereias.
Isto de chamar “sereia” a um amigo falso trem piada. Ele enfeitiça-nos, perde-nos: com falinhas atraentes, melífluas, arrasta-nos para o abismo, a não ser que tapemos os ouvidos com cera, como Ulisses mandou aos seus marinheiros.
Se calhar, já descartámos algum amigo, só porque nos disse a verdade ou nos corrigiu sinceramente. E, se calhar, já demos ouvidos a um enganador, só porque lhe ouvimos palavras que massajavam o nosso ego.
Fico triste quando ouço o aviso: “Se és meu amigo, não me toques nesse assunto”.
Um amigo não humilha, mas também não disfarça nem ilude. Não nos lança às feras, incentivando-nos a coisas superiores às nossas forças, mas também não nos corta as asas. Com a frieza de quem vê de fora e com a doce intimidade, própria de quem ama, faz desabrochar a nossa personalidade. Não nos substitui, mas faz brotar da nossa mente, da nossa vida, toda uma nascente de riquezas escondidas. Assim se fabrica o mel da alma.

Abílio Pina Ribeiro, cmf

Start typing and press Enter to search