A MÃO DA PROVIDÊNCIA

Foi o que sucedeu no dia 28 de Outubro de 1995, em que vi a morte a poucos metros de distância. Até lhes posso dizer qual era a sua cor: tinha a cor cinzenta a puxar para o escuro. Eu lhes conto: rolava tranquilamente rumo às terras de Viseu quando, perto de Coimbra e numa altura em que o trânsito se complicava por motivo de obras naquele troço da auto-estrada, um carro de cor cinzenta a puxar para o escuro se me atravessou na frente. O choque foi inevitável e brutal. Resultado: um braço partido e um pé quase destroçado.
Mas, graças a Deus, estava vivo. No tempo de hospitalização e convalescença de três operações, senti que a fraternidade e a solidariedade não são palavras ocas. Médicos e enfermeiros nunca me faltaram com a sua competência, o seu vigor e a sua ternura.
Aprendi então mais coisas do que na universidade. A primeira é que não preciso de andar sempre com a língua de fora a espumar como um cavalo de corrida, a ponto de, em nome de afazeres urgentes, descuidar, senão esquecer, os mais importantes. Afinal, apesar de eu estar parado, o Natal não deixou de se festejar em Dezembro nem a Primavera de vir no mês de Março.
Pude também fazer a experiência de como o sofrimento custa, principalmente a legiões de pessoas hospitalizadas talvez em situação mais grave do que a minha e sem os cuidados que me dispensaram. Entendi que os doentes e os idosos devem ser tratados com profissionalismo, excelência, conforto e, antes e acima de tudo, com toneladas de compreensão, proximidade e carinho.
Decidi-me ainda a cultivar a alegria no meio das enfermidades e limitações, contradições e contrariedades, como quem apanha flores no meio de espinhos e de silvas…
Finalmente, descobri o valor da mão esquerda. Fui criado numa altura em que, na escola e na família, apenas se podia escrever com a direita. Durante meses, com a mão direita impedida, nem uma linha conseguia rabiscar. Não me custou chegar à conclusão de que as duas mãos, a esquerda e a direita, são igualmente importantes e que são para usar, ora uma ora outra, quando for preciso…
Falando sério, convenci-me, enfim, de que a Providência vai tecendo as nossas vidas com suavidade, quase imperceptivelmente, e prega-nos partidas lindas. Resolvi, daí para diante, saborear cada vez mais a beleza tranquila dos lírios do monte e o voo confiante das aves do céu…

Abilio Pina Ribeiro, cmf

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