TANTO PESO QUANTO AMO

Quando João Paulo II foi eleito Papa, li alguns dos seus poemas, entre os quais “A loja do ourives”. Narra a história duma senhora abandonada pelo marido e que, por isso, resolveu ir vender o seu anel de casada. O ourives pesou-o e, fixando os olhos na mulher, interpelou-a: “A aliança não pesa nada. O fiel da balança nem se mexe. Porventura o seu marido ainda vive? É que a minha balança tem um condão especial: não pesa o metal, mas tudo o que existe nas pessoas”.

 

Uma pessoa casada não pesa nada sozinha. Entre amigos, só o amor correspondido faz inclinar o fiel da balança. Numa comunidade ou família, só o amor que se partilha, o amor que serve os outros, tem valor. “O amor é o meu peso” – declarava Santo Agostinho. Referia-se ao amor a Deus e ao próximo. O amor egoísta é leve como o vento. Não pesa absolutamente nada.

 

Pedro Casaldáliga bebeu esta canção na fonte de São Paulo:

 

Se eu tivesse em mim

todas as emissoras,

os palcos de rock do mundo inteiro,

os púlpitos e as cátedras

os parlamentos todos, mas não tivesse amor,

seria apenas… ruído e só ruído.

Se tivesse o dom de encher estádios

e de fazer curas milagrosas

e uma suposta fé, capaz de transportar

montanhas, mas não tivesse amor,

seria apenas… um circo religioso.

Se eu distribuísse em cabazes de Natal

e em badaladas festas de caridade

os bens que ganhei – bem? mal? quem sabe?

quem não sabe? –

e fosse até capaz de gastar a minha saúde

para ser mais eficiente, mas não tivesse amor,

seria apenas… uma pura sombra.

Paciente é o amor e disponível

como um regaço materno.

não tem inveja nem orgulho.

não procura lucros como os Bancos,

saber ser gratuito e solidário,

como a mesa da Consoada.

não tolera a inustiça, nunca!,

faz a festa da verdade.

sabe esperar, forçando impertinente

a porta do futuro.

 

O amor que pesa, que vale, que conta é este amor disponível, este amor humilde que se dá sem passar facturas, gratuito e a fundo perdido.

 

O facto é que o amor anda falsificado como um produto de marca. Amor escrito, amor cantado, amor filmado, amor de calcar no chão, amor de colar nas paredes. Dá-se o nome de amor à mera atracção sexual ou mesmo às relações físicas com uma pessoa sem ter com ela relações morais. Chama-se “fazer amor” ao simples acto carnal, realizado sem qualquer amor, talvez entre desconhecidos.

 

Longe de mim condenar o amor que se exprime na entrega sexual. O cristão vê no sexo um dos caminhos para o total encontro de dois seres, em alma e corpo. E nada mais belo nem mais puro que esse encontro de dois seres, em mútua doação, mútuo respeito, mútuo reconhecimento. Esse amor que busca no amado ou na amada não a mera satisfação pessoal, o prazer para si, mas a felicidade e perfeição de ambos. Esse amor tem um peso infinito.

 

O mesmo sucede com outro amor que também faz inclinar o fiel da balança: o que se dá entre pais e filhos, entre as pessoas que vivem sob o mesmo tecto, com quem se trabalha, com quem viajamos, com quem nos distraímos. E o amor que se professa a todos os seres humanos, especialmente os mais débeis e mais pobres.

 

Cada vez me convenço mais de que valemos o que vale o nosso amor. E que, se limpamos o automóvel, escolhemos a nossa roupa, vamos ao cabeleireiro, fazemos exercícios de ginástica, também devemos dedicar algum do nosso tempo a cuidar do próprio coração. Aí moram os sentimentos que nos tornam felizes ou infelizes, úteis ou inúteis: a agressividade, a irritação, a indiferença, os desejos vis… ou então a bondade, a gratidão, a palavra amável, o elogio oportuno, o estímulo, o gesto carinhoso.

 

Para onde pender o nosso coração, para aí nos inclinamos. Defendemos com toda a inteligência e com toda a força de vontade o que nosso coração deseja. O amor faz-nos cegos para os defeitos dos outros ou projecta um foco de luz sobre as suas qualidades. Conforme for o nosso coração, vemos em cada rosto uma pesssoa ou passamos indiferentes como perante um animal qualquer, uma árvore, um poste ou uma máquina. O coração escolhe as ideias, o tipo de relações, a política, o sistema pelos quais nos batemos. O amor transforma as palavras em armas de arremesso ou em pontes que aproximam e reconciliam.

 

Há pessoas de quem se diz: “tem um coração de oiro”. A seu lado sentimo-nos lindamente, porque elas dão-se de presente. Repartem simpatia e generosidade às mãocheias e não em doses de farmácia. As expressões de cada dia: “olá, boa tarde, obrigado, por favor, desculpe”, têm peso, um tom  e acento cordial.

 

Ouvimos dizer a toda a hora, e com razão, que é preciso controlar o peso do nosso corpo. As gorduras em excesso arruínam a saúde. Mas não tenhamos receio  de que aumente o “peso” do nosso coração, a tonelagem da nossa alma.

 

 

Abílio Pina Ribeiro, cmf

(FOTO: MamaClown)

 

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