O MELHOR DO MUNDO SÃO AS CRIANÇAS

Nunca crónica deliciosa, enviada lá de Roma, o meu amigo José Rovira relata que, a uma esquadra da polícia italiana, foi parar uma família inteira: Paulo, de 21 anos, Teresa, de 25, e o seu bebé, Filipe, de 8 meses.
Quando Teresa ficou grávida sem saber de quem, o seu companheiro, Paulo, moeu-a de pancada e ameaçou abandoná-la, mas depois acabou por fazer as pazes e aceitar aquele bebé como se fosse dele. Mais: para que o menino nascesse limpo, com um pai e uma mãe igualmente limpos, resolveram ambos dizer adeus à droga. Optaram por levar uma vida caseira, sossegada, vigiar-se e controlar-se mutuamente. O bebé começava já então a redimi-los, como os redimiria agora na esquadra da polícia.
Encontravam-se ali porque, no dia anterior, iam os três num carro a cair de velho quando viram passar uma senhora idosa e Paulo roubou, por esticão, a bolsa dela. Daí a pouco a polícia mandava-os parar e, enquanto o casal fazia um ar de espanto e de vergonha, o bebé saltava de contente como quem se diverte à brava.
Uma vez na esquadra, desfiaram a sua história e o caso acabou de maneira inesperada. Não eram ladrões profissionais, explicaram eles. Simplesmente, tinham ficado sem dinheiro e não queriam que o bebé sofresse as consequências dos seus erros; se fosse preciso, passariam fome, mas o menino não.
O chefe, que tinha sobre a mesa uma fotografia da sua filha mais ou menos da idade de Filipe, acreditou, dizendo para consigo: “Os verdadeiros ladrões não põem essa cara…” Mandou devolver os euros roubados à senhora e fez, entre os polícias presentes, uma colecta que rendeu dez vezes mais. Entregou-lhes o dinheiro juntamente com o seu número de telemóvel e um solene aviso: “Arranjai-vos como puderdes, mas roubar, isso de maneira nenhuma; se vos encontrardes outra vez realmente aflitos, não hesiteis em ligar-me logo”.
O casal não saía do seu espanto. Quem não deixava de sorrir, como se tudo aquilo não passasse de um jogo espectacular, era Filipe, o inocente “redentor”…
Este episódio faz-me lembrar o poema de José Maria Pemán:
“O encanto das rosas
é que, sendo tão formosas,
não sabem que o são”.
As crianças também não sabem que o que dizem nos transporta para um mundo em que gostaríamos de viver sempre: o reino da autenticidade e do encanto. Sem nenhuma espécie de poluição…
Permitam-me que, em jeito de homenagem, recolha aqui algumas “saídas” de meninos e meninas com menos de dez anos. A primeira foi contada pelo Padre Américo, fundador da Obra do Gaiato. Encontrava-se ele recolhido na igreja, quando ouviu os passos, trupe, trupe, dum petiz que avançava até junto do altar; chegado ali, parou, e disse em alta voz o que lhe ia na alma: “Jesus, o nosso Benfica perdeu. E agora, ãh!?”
Em dois livros de cartas infantis a Deus respiguei outras orações que deixo aqui, sem ordem, simplesmente para nos deliciarmos, como um copo de água pua e fresca:
– “Eu pensava que a cor laranja não pegava com o roxo. Mas depois vi o entardecer que fizeste na quarta-feira… Espectacular!”
– “A minha professor diz que o pólo Norte não está exactamente onde deveria estar. Enganaste-te mais alguma vez?
– “Jesus, o meu nome é Pedro e o meu físico é baixo, delgado, mas não sou fraquito. Meu irmão diz que tenho uma cara horrível, mas não me importo; assim não terei uma mulher que me esteja sempre a chatear e a dizer tolices”.
– “Jesus, se olhares para mim na missa de domingo, mostro-te os meus sapatos novos”.
– ”Não te preocupes comigo. Olho sempre para os lados, antes de atravessar a rua”.
– Há muito tempo que não inventaste animais novos. Ainda continuamos com os de sempre.
– Fizeste a girafa como tinha na ideia ou saiu-te assim?
– “Não creio que possa haver um Deus melhor do que tu. Queria que o soubesses, mas não o digo por seres Deus”.
– “Nunca mais me senti sozinha desde que descobri que tu existes”.
Estas crianças de palmo e meio fazem perguntas mais profundas do que um poço:
– Ó Deus, sabes o que é estar com catarro?
– “Não podias inventar cantigas mais alegres para a nossa igreja?”
– “Jesus, o Padre Abílio é teu amigo ou não passa dum colega de trabalho?”
– “Querido Jesus, sublinhas os pecados a vermelho como a minha professora?”
– Como te sentes com a gente que não crê em ti?
– No Carnaval vou-me disfarçar de diabo. Não te importas?
– Dizes que é preciso dar a outra face. Mas que fazer quando a minha irmã me bate no olho?
– De onde vêm os bebés? Espero que me expliques melhor do que o meu pai.
Damos a razão a Fernando Pessoa: “O melhor do mundo são as crianças”.

Abílio Pina Ribeiro, cmf

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