“Missão de retorno”

Os nossos amigos da América Latina gostam de falar da “missão de retorno”. Que querem eles dizer?
Quando se vai a Moçambique ou a São Tomé e Príncipe, ao Brasil ou à Colômbia, facilmente descobrimos que não há só a missão e a ajuda dos Países e das Igrejas do hemisfério Norte às Igrejas e Países do hemisfério Sul. O Sul, escravizado e pobre, também evangeliza e auxilia o Norte, emproado e rico. Este promove o Terceiro Mundo, ajudando-o a libertar-se de escravidões e misérias. Mas de lá também recebe um contributo apreciável.
O Terceiro Mundo, por exemplo, apela à conversão do mundo capitalista e do bem-estar, que deixa cair migalhas para o chão do pobre Lázaro, enquanto lhe explora e suga os recursos da terra. Impele a Igreja a descobrir um dado tão essencial do Evangelho como a predilecção pelos pobres.
Nada como estar no meio deles para verificarmos a coerência entre a mensagem anunciada e a vivência da mesma.
“Com os ‘últimos’ e com os marginalizados – declaram os bispos italianos – poderemos todos recuperar um estilo diferente de viver. Demoliremos, primeiramente, os ídolos que fomos construindo: dinheiro, poder, consumo, tendência a viver acima das nossas posses. Redescobriremos, em seguida, os valores do bem comum: tolerância, solidariedade, justiça social, corresponsabilidade. Sentiremos vontade e confiança para juntos projectarmos o futuro, na base da pacífica convivência e da aberta colaboração. E teremos a capacidade de enfrentar os sacrifícios necessários, com um novo gosto de viver”. Lá reza o ditado que “Só se compadece quem padece”.
Quando dezoito pessoas foram esmagadas pela Torre de Siloé, perguntaram a Jesus se aqueles homens e mulheres pecaram mais do que outros. Jesus respondeu que não e prosseguiu: “E vós, se vos não arrependerdes, perecereis como eles”. O sangue das vítimas clama pela nossa conversão.
No grito da criança, do idoso, ressoa um convite à misericórdia e à compaixão. O agudo sofrimento dos nossos irmãos liberta-nos de toda a arrogância, de todo o julgamento, e cria em nós um coração manso e humilde, próximo das pessoas e atento ás suas necessidades concretas.
Temos de ser uma sociedade e uma Igreja de rosto materno, espaço de acolhimento para o homem e a mulher transviados, capaz de infinita compreensão pelo seu erro, a sua solidão, os seus preconceitos, as suas dificuldades.
Esta jaula de felinos que é a actual sociedade, injusta e violenta, motiva-nos para seremos homens e mulheres de paz, despertadores de esperança, sensíveis à partilha do que temos.
Quando Luther King fez marchar os americanos pela igualdade de direitos entre brancos e negros, bem sabia que, deste modo, os negros estavam a chamar os brancos à fraternidade evangélica.
O fumo das chaminés, o barulho das máquinas, o corropio nas repartições, o asfalto das avenidas, os blocos de cimento, as andanças do carteiro suscitam a solidariedade com quem trabalha, a sensibilidade para com as suas reivindicações em prol de melhor salário, de mais aprumo e dignidade.
A profecia mais luminosa e convincente é a de pessoas que, sendo diferentes na cultura, na personalidade, nos haveres, estão unidas no amor e na fraternidade, sem discriminar alguma.
Uma reportagem televisiva sobre as atrocidades que se cometeram na Bósnia terminava com o espectáculo comovente de dois homens, um sérvio, outro croata, a abraçarem-se chorando. O ódio étnico acumulado durante anos tinha sido derrotado pelo amor que os convocara para o mesmo projecto de vida.

Abílio Pina Ribeiro, cmf

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