Humanidade plena

Deus é bom e é bonito – dizia uma criança -, mas é pouco “fotogénico”. De facto, nós adultos “pintamo-lo” tão mal!
E fazemos outro tanto a respeito das suas “cópias” mais fiéis, que são os Santos. Herdámos certas concepções de santidade desfocadas e que a tornam pouco simpática e apetecível.
Nada simpática, por exemplo, a santidade entendida como um privilégio reservado a superdotados, a heróis, campeões, fora do alcance das “classes médias” da Igreja. Esses gigantes sabem coisas que outros ignoram, concebem ideias que outros não alcançam, praticam façanhas que mais ninguém consegue praticar.
Não é simpática a santidade que parece exigir pessoas retraídas, tristes, embiocadas. Quando se tinha uma visão negativa do corpo e se fazia do pecado a medula óssea do cristianismo, a santidade andava associada a mortificações terríveis, orações infinitas. Era preciso andar tenso como um arco, fugir de todo o prazer, de toda a alegria.
Perante semelhantes ideias, explica-se a ironia duma canção americana: “Viver com os santos do céu/ é uma glória/. Viver com os da terra/, isso é outra história”.
Francisco de Sales chamava “traidores da humanidade” a estes santarões. Não se deviam canonizar estes “santos”, mas as pessoas que vivem com eles.
Miguel Ângelo embirrava com os homens que, dia e noite, querem ter a espinha sempre esticada, direita como um fio de prumo. E cito ainda o filósofo Brás Pascal que, apesar de rigoroso, declarava: “Quem anjo se faz, besta se torna”.
Por isso, rejeitamos, naturalmente, certos quadros ou imagens de Santos, antigos ou modernos, de olhos perdidos e cabeça torta, ou envoltos em roupagens infindas: essas virgens lisas como tábuas, esse varões duros como raízes, não parecem homens e mulheres, autênticos, realizados e felizes.
Ora a santidade é a humanidade plena. O pico da humanidade.
Perguntava Paulo VI a um grupo de jovens: “Que teria aquele jovem Mestre da Galileia para cativar assim os que iam atrás de ele?” E respondia: “O encanto, o poder de fascinação da sua humanidade plena”. A irradiação de uma personalidade electrizante.
Se Jesus se tivesse apresentado aos seus contemporáneos como um ser estranho, raro, sempre sério, não teria atraído nem cativado ninguém. No evangelho não se encontram maneiras raras, estranhas, de seguir Jesus. Maneiras radicais, mas não raras. As pessoas seguiam Jesus como alguém que lhes matava a sede de felicidade. “À medida que alguém se aproxima de Cristo, Homem perfeito, fica mais humano” – escreveu o Concílio Vaticano II. A santidade revela o que há de melhor no ser humano: a sua fome de beleza, de verdade, de amor, de liberdade, de justiça.
Tem-se confundido muitas vezes a perfeição de uma escultura e a perfeição dum ser humano. A primeira é a matéria inerte modelada à força de martelos e de goivas; na segunda, o ser vivo atinge uma beleza moral que é uma aguarela de fraquezas e virtudes. O santo não é um ser perfeito, mas unicamente um ser humano que amou acima de tudo, em nome de Jesus. A sua história é tecida de altos e baixos, como a nossa. O rapé que Pio X tomava – cuidando, isso sim, de não manchar a sua batina branca – fizeram arrepelar o cabelo a muito boa gente, mas não lhe terão custado uns degraus mais abaixo no Paraíso. Aí está: Deus não nos fez estátuas gregas, mas filhos através dos quais pode amar, à redea solta, esta sofredora humanidade.

Abílio Pina Ribeiro, cmf

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