ESCOLA A CÉU ABERTO

Da contemplação do universo podemos tirar lições maravilhosas. Céus e terra, mares e rios, animais e plantas, servem-nos de professores e mestres em bastantes pontos.
Séculos antes de Cristo, o profeta Isaías declarava com tristeza que “o boi e o jumento conhecem o dono, ao passo que o povo de Israel ignora o seu Deus”. Jeremias carregava na mesma tecla: “a cegonha conhece a sua estação; a rola, a andorinha e o grou conhecem o tempo da migração. O povo de Deus, porém, desconhece as ordens do Senhor”.
Com o seu apego e afeição ao dono, os cães ensinam-nos a fidelidade que nós, humanos, calcamos facilmente aos pés. Jesus simpatizava com esses animais, a ponto de os apresentar como sendo mais generosos do que algumas pessoas: porventura, não “lambiam as chagas” do pobre Lázaro, que jazia às portas da casa onde o ricaço insensível se banqueteava?
O cão é companheiro tão fiel e dedicado que nem o trabalho nem a miséria o separam do dono. “É mais leal que um filho, mais obediente que um funcionário, mais dócil que uma criança” – observava Santo António Maria Claret. O cão vigia de dia e de noite, meneia a cauda perante conhecidos e amigos, mas ladra aos intrusos e luta para defender o dono e os seus haveres.
Com frequência temos um comportamento moral “abaixo de cão”, animalesco, brutal, irresponsável. Daí a prece dum cão fervoroso: “Senhor, fazei que o meu dono seja dono como eu sou cão”.
Referia um jornal inglês este episódio curioso: um cão e um gato partilhavam o mesmo tecto e faziam-no sem mostrar os dentes nem as unhas. Morre o gato e é enterrado num recanto do jardim. O cão vela, fareja, uiva, olha tristemente. No dia seguinte, o dono encontra vazio o buraco que serviu de sepultura e, na cesta onde costumava dormir, vê o gato morto, limpo, como adormecido. E ali estava o cão, de olhos abertos e orelhas erguidas. Tinha escavado a terra, arrastado o corpo com a sua dentuça, limpado com a sua língua, e montado guarda. Não é fábula inventada, mas um facto da vida real que nos traz à mente a visão messiânica do profeta Isaías: a pantera ao pé do cabrito, a vaca junto do urso, a mão da criança na toca da serpente… Ao lado desta notícia, vinha toda uma série de tensões e conflitos que se dão pelo mundo fora, onde, ao que parece, não cabem todos sob o mesmo tecto. Agora, não se diga que os humanos se relacionam como cães e gatos, que isso ofende os pobres animais…
Aprendamos também da cigarra e da formiga. Costuma-se louvar as formigas pela sua diligência e laboriosidade. Dá gosto vê-las a correr e a trabalhar no tempo bom, a fim de terem a dispensa cheia quando vier o rigor do Inverno.
Contudo a cigarra, tida como preguiçosa e desleixada, ensina-nos que a vida não é para andarmos sempre com a língua de fora. Se um dia disserem de nós: “Aqui jaz um trabalhador que nunca fez greve”, acho que não ganhamos muito com isso. É sinal de que perdemos o sentido da convivência, da festa, da beleza, da gratuidade.
O próprio burro, desprezado como a palha que trinca, dá exemplo de paciência e de humildade. Pelo menos a mim, que me orgulho de ser um burro de carga; e burro de carga é o que mais se carrega. Estou satisfeito com a minha sorte e recordo sem mágoa a profecia de meu pai, que tinha carradas de razões para estar muito zangado: “Nasceste para burro, nunca chegas a cavalo”. Rio-me interiormente quando alguém pensa que alguma vez desejei trepar acima das minhas chinelas. Gosto de rezar o bonito salmo 130: “Não ambiciono grandezas nem coisas superiores a mim, antes fico sossegado e tranquilo como criança no colo das mãe”.
Mestras da vida são-no até as ervas do campo, as plantas e a natureza em geral. As parábolas de Jesus tornam-se, a este respeito, uma espécie de grande metáfora do espírito. Jesus não nos recomenda, por exemplo, a serenidade confiante dos pássaros e a formosura tranquila dos lírios? “Não semeiam nem ceifam e, no entanto, o Pai do céu cuida deles”.
Manda-nos então Jesus ficar embasbacados a olhar para o alto, esperando que tudo caia das nuvens, ou fechar os olhos perante as necessidades, próprias e alheias? De modo nenhum. “Deus ajuda a quem trabalha, que é o capital que nunca falha”. Os lírios e as aves, como as crianças, não se preocupam com o futuro, porque não têm o sentido do amanhã. Nós temo-lo, graças a Deus.
Mas a procura do comer e do vestir não pode absorver-nos de tal maneira que impeça a procura de outros valores importantes. A preocupação obsessiva pelo amanhã, temos de ultrapassá-la com as asas da confiança em Deus, para quem valemos “muito mais do que os lírios e os passarinhos”.
O girassol constitui outra fonte de inspiração. Este amigo da luz e do calor, a girar constantemente na direcção do astro-rei, sugere-me a alegria e o optimismo. Por que raio havemos de usar continuamente óculos escuros? Por que razão havemos de ver o dia entalado entre duas noites e não a noite entalada entre dois dias?
Um provérbio indiano aconselha-nos a aprender “a lição da árvore: suporta o ardor do sol e dá-nos a frescura da sombra”.
Uma pessoa que aprende a lição da árvore aguenta o cansaço e os contratempos de fora bem como a aridez e a desolação interior; torna-se fonte de esperança, de repouso e de bendita paz. Há quem passe por tribulações, tempestades, sofrimentos e, no entanto, espalhe em seu redor palavras e acções perfumadas de bondade. Os espíritos nobres dão fruto e sombra, como as plantas, sem olhar a quem.

Abílio Pina Ribeiro, cmf

 

Start typing and press Enter to search