CORAÇÃO CHEIO DE NOMES

Uma das páginas da Bíblia que me fascina mais é o capítulo XVI da Carta de São Paulo aos cristãos de Roma. Porquê? Pela série de nomes raros que por ali passeiam, ou melhor, por aquilo que o registo desses nomes significa. “Recomendo-vos a nossa irmã Febe… Saudai Prisca e Áquila, meus colaboradores… Saudai Epéneto, meu amigo… Saudai Andronico e Júnia, meus parentes e companheiros de prisão… Saudai Ampliato, Urbano, Estáquis, Apeles, Aristóbulo, Herodião… Saudai Trifena e Trifosa… Saudai a minha querida Pérside… Saudai Rufo, Asíncrito, Flegonte, Hermes, Pátrobas… Saudai Filólogo e Júnia, Nereu e Olimpas… Saúda-vos Timóteo, Lúcio, Jasão e Sosípatro. Saúda-vos Tércio e Gaio, Erasto e Quarto”.

Estes nomes, que eu não poria certamente a um filho nem a um sobrinho, significam uma coisa linda. Paulo, no meio das suas longas e atribuladas viagens e da sua intensíssima actividade, lembra-se do nome de todos os seus amigos e colaboradores.

A Igreja não é uma sociedade anónima. A Igreja é um lugar onde todos se parecem e todos são diferentes. Cada um tem um nome, um rosto, um caminho, um carisma. Cada pessoa é uma palavra que nunca se repete. Palavra nova, singular e única.

Coisa terrível o anonimato! Moram num prédio centenas de pessoas, encontram-se casualmente num elevador ou numa escada, mas não se saúdam, não se conhecem, não se chamam pelo nome. Desconhecem os dramas ou as alegrias que se passam no andar de cima ou no de baixo ou no de lado. Ainda bem que se inventou o “Dia do vizinho” , com a sardinhada no pátio e um bailarico, para as pessoas conviverem, travarem conhecimentos e criarem laços.

Vivemos numa época cheia de contradições e de contrastes. Com tantos meios de comunicação, cada vez comunicamos menos.

Basta mexer no “rato” do computador para “navegarmos” de Portugal para o Brasil ou da China para o Canadá em questão de segundos. Como borboletas a saltar de país para país, de jogo para jogo, passamos horas sem nos apercebermos de quem respira a poucos metros de nós. Os meios de comunicação a impedir a comunicação!

Fiz uma viagem de combóio em que ninguém falava com ninguém. Mas de vez em quando ouvia-se um telemóvel a dar a extraordinária notícia: “Mãe, o combóio parou no meio do campo, avista-se de aqui um aterro sanitário”.

Segundo um estudo publicado no Japão, muitos jovens “consideram o telemóvel quase uma extensão do corpo”. Quando “não recebem mensagens ficam ansiosos e de mau humor, com a sensação de que ninguém se lembra deles”. Por causa do telemóvel “estão a perder a capacidade de interpretar as expressões faciais, o comportamento e o tom de voz das pessoas com quem falam. Com isso, aumenta a agressividade entre eles e o desinteresse pelos sentimentos dos outros”.

Quanto mais curta é a distância física, tanto maior é, por vezes, a distância espiritual. Muitos filhos, à medida que se identificam com os ídolos da canção ou do desporto, vão-se afastando, realmente, de seus pais e irmãos.

Um avião transporta-nos, em seis horas, de Lisboa a Nova Iorque. Mas, antes de entrarmos no aparelho, atravessamos não sei quantos postos de controlo e de segurança. São precisas mil e uma precauções, e com razão, para evitar ataques terroristas e outros perigos.

Ou seja, enquanto os meios de transporte e de comunicação social são tecnologicamente mais avançados, as relações humanas parece que andam para trás, se é que não voltaram à Idade da Pedra. Os ataques suicidas e as represálias militares não são maneiras primitivas de resolver os conflitos?

Por que motivo nós, humanos, aprendemos tão depressa a utilizar a Internet e progredimos tão pouco na relação com os demais? Como poderemos ter um mundo mais seguro e mais pacífico, se não investirmos num diálogo de proximidade e vizinhança? Como podermos ser felizes enquanto a comunicação por meio de “clics” e de “ratos”, com estranhos e desconhecidos, substituir o cultivo dos afectos domésticos e a abertura do coração aos amigos e aos vizinhos?

É por isso que a tal carta de São Paulo, povoada de nomes raros, me cativa e me seduz. Faz-me pensar em Deus como um Pai bondoso que não esquece o nome de seus filhos. Refere a Bíblia que Ele até chama as estrelas pelo nome. Um Profeta acrescenta que Ele tatuou o nosso nome nas palmas das suas mãos, a fim de nos ter sempre diante dos olhos.

Declaro, pois, como Pedro Casaldáliga: “Se um dia abrirem o meu coração, quero que o encontrem cheio de nomes…”

Abilio Pina Ribeiro, cmf

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