A FORÇA E A GRANDEZA DO AMOR

Pelo deserto fora caminhava um homem, com a roupa remendada, um cajado na mão e uma escudela para beber.

– “De onde vens?

– Da Andaluzia.

– E para onde vais?

– Vou para a China.

– E vais fazer o quê?

– Visitar um amigo.

– Lá tão longe?

– Só é longe para quem é fraco e está cansado. Para quem ama, a China fica mesmo ali a um saltinho de pardal”.

Este conto da literatura muçulmana faz-me lembrar João Paulo II, de feliz memória. Em condições precárias de saúde, voou milhares de quilómetros pelo mundo inteiro, sempre com um programa intenso de celebrações, audiências, discursos, entrevistas. Já estava amarrado a uma cadeira de rodas, e ainda tinha uma vontade louca de visitar a Rússia, o Vietname e a China. Para o seu coração incandescente, esses países longínquos ficavam mesmo ali às portas do Vaticano.

Custa mais percorrer um pequeno trajecto por obrigação do que peregrinar por amor da Andaluzia à China. Quem corre por amor não cansa… Que o diga a mãe de família que, nas lides domésticas, corre diariamente a maratona dentro da própria casa para ter a comida, a roupa e tudo o mais que é preciso para seu marido e filhos.

O amor vence todas as distâncias, salta todas as barreiras. É “mais forte do que a morte”. Esta, com efeito, pode-nos roubar um ente querido, mas não pode impedir que o amor o mantenha vivo no guarda-jóias do próprio coração.

O trabalho, o estudo, a família, a religião, a doença, sem amor tornam-se deveres aborrecidos, fardos insuportáveis. Mas, com o amor, tudo se transfigura e ganha cor e paladar diferentes.

O amor é medida de todas as coisas. O que sou e o que faço têm peso na medida em que amo. A saúde, a inteligência, o sucesso ou a riqueza não me tornam feliz, se eu não amar nem for amado.

A alegria sem amor é ofensiva para os outros. A prudência sem amor não passa de calculismo. A generosidade sem amor torna-se vaidade. A coragem sem amor, exibicionismo. A compreensão sem amor, permissividade. A justiça sem amor fica a meio caminho. Posso colocar um idoso num lar com mil e uma comodidades, mas, se lhe faltar o amor, ele morre ali de tristeza e solidão.

O amor é o segredo que os alquimistas da Idade Média procuraram em vão: a “pedra filosofal” que tinha o condão de transformar em oiro qualquer vil metal. Uma pessoa humilde e obscura, sem muitas possibilidades de intervenção na sociedade, mas derramando-se em contínuos e oportunos gestos de amor, cria à sua volta um ambiente luminoso e belo. Se estiver doente como João Paulo II, o amor torna-a forte; se for pequena, como Teresa de Calcutá, o amor torna-a gigante.

Razão tinha Brás Pascal ao distinguir três níveis de grandeza humana. Em primeiro lugar, o nível corporal. Sobressai, neste ponto, a pessoa dotada de beleza física ou de força atlética, ou possuidora de muitos bens de fortuna.

Em plano superior, a esfera da inteligência. Situam-se aí os inventores, cientistas, pensadores, artistas e poetas. Ser rico ou pobre, bonito ou feio, saudável ou enfermo, não priva um génio da sua interior grandeza. A fealdade de Sócrates ou a cegueira de Homero não diminuem a excelência da sua filosofia nem dos seus poemas.

O nível supremo pertence ao amor. Um grama de bondade vale mais do que uma tonelada de talento. Por isso o músico Gounod preferia uma gota de santidade a um oceano de habilidade e engenho.

A maioria das pessoas fica-se no primeiro nível. Preocupadas somente com arrebanhar coisas materiais, cultivar a beleza física ou acrescentar o seu poder e a sua glória, por vezes nem suspeitam que pode haver mais vastos horizontes.

Para outras, o cume da grandeza está na ordem da inteligência. Procuram impor-se e ganhar fama no campo do pensamento, da ciências, das letras e das artes. Pouco se importam de atingir a altura máxima, que é a da bondade.

“Roma deu-nos a força, Atenas a sabedoria, o cristianismo o amor” – reza um dito célebre. Sem amor, o poder e a ciência, a força e o génio, só produzem miséria, injustiça, violência, desumanidade. Hitler e Al Capone eram realmente geniais, mas da sua cabeça não brotou senão uma enxurrada de horrores. Já Francisco de Assis ou Mahatma Ghandi, gigantes na doação a Deus e ao próximo, fizeram maravilhas. Apontando-nos a fonte da plenitude humana, deixaram-nos uma Terra mais bonita e mais ditosa.

Daí as dez regras de oiro que Hans Kung nos sugere, no seu “Projecto de uma ética saudável”:

1. “Não apenas a razão, mas também o coração.

2. Não apenas a cultura, mas também a espiritualidade.

3. Não apenas a liberdade, mas também a justiça.

4. Não apenas a igualdade, mas também o pluralismo.

5. Não apenas a coexistência, mas também a paz.

6. Não apenas a produtividade, mas também a solidariedade com a natureza e com as gerações futuras.

7. Não apenas a tolerância, mas também o ecumenismo.

8. Não apenas a terra, mas também o universo.

9. Não apenas o universo, mas também a fonte originária de todo o ser, Deus.

10. Não apenas a vida terrena e a morte, mas também a ressurreição e a vida eterna”.

Abílio Pina Ribeiro, cmf

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